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A importância de ir além do relato de sustentabilidade




As pessoas costumam dizer que o ano só começa depois do Carnaval, mas não é a realidade para quem trabalha com sustentabilidade. É justamente na primeira metade do ano que acontece a “temporada de relatórios” — quando a maioria dos relatórios de sustentabilidade são elaborados, auditados e publicados.  Eu já participei da criação de muitos relatórios de sustentabilidade, e apesar de fascinante, é bastante desafiador. Imagine escrever um livro em coautoria com vários autores (e editores) diferentes, trabalhando com prazos malucos, para publicar um grande documento que no final, poucas pessoas vão ler (triste realidade).


Para quem nunca trabalhou com relatórios de sustentabilidade, o processo é o seguinte:


  • Passar meses coletando uma quantidade exorbitante de informações ambientais, sociais e de governança (ESG) de toda a empresa; 

  • Alinhar o relatório a um dos principais frameworks de reporte, como o Global Reporting Initiative (GRI), Sustainability Accounting Standards Board (SASB), International Sustainability Standards Board (ISSB), entre outros; 

  • Colocar esses dados em uma narrativa coerente dentro de um PDF que varia de vinte a cem páginas; 

  • Visualizar os dados ESG e organizar todo o conteúdo de maneira atrativa; e 

  • Socializar o relatório internamente para garantir a aprovação de diversas áreas — especialmente da área jurídica e sem esquecer da diretoria (e algumas vezes, conselhos).


Ufa! Criar um relatório de sustentabilidade é uma tarefa bastante exaustiva e que muitas vezes caem sobre a responsabilidade de algumas poucas áreas, ou pessoas. As empresas muitas vezes caem em um ciclo de gastar metade do ano produzindo relatórios e a outra metade tentando esquecer a experiência — até que o processo recomece. Mas permitir que a narrativa de sustentabilidade da empresa desapareça no "período fora da temporada de relatórios" é uma grande oportunidade perdida — tanto para impulsionar o progresso social e ambiental quanto para fortalecer a marca por meio de uma comunicação envolvente. 


Relatórios não são suficientes 


Já não é de hoje que o número de empresas publicando relatórios de sustentabilidade só aumentam – quase todas as empresas do S&P 500 já publicam esse tipo de documento. Além do interesse voluntario, vivemos um período de crescimento do ambiente regulatório, como a Corporate Sustainability Reporting Directive(CSRD) da União Europeia e a Comissão dos Valores Mobiliários (CVM), aqui no Brasil. Essas mudanças, aliadas ao surgimento de novos frameworks e métricas são importantes pois elevam a quantidade e a qualidade de relatórios, porém, os relatórios por si só, não são suficientes. Uma pesquisa realizada com mais de 300 CEOs norte americanos em 2023, evidenciou que 96% deles acreditam ser importante compartilhar histórias de sustentabilidade e quase metade deles pensam que suas empresas não falam o suficiente sobre essas iniciativas.


Nesse recorte é importante considerar o contexto dos Estados Unidos, onde o “greenhushing” é bastante presente atualmente. Por medo de serem rotuladas como progressistas pelos opositores pelo ESG - ou de serem criticadas por vozes mais radicais – as empresas intencionalmente deixam de falar sobre o tema e evitam comunicar sobre seus esforços de sustentabilidade.


Enquanto investidores e reguladores podem se satisfazer com relatórios e divulgações formais, consumidores, clientes, funcionários e o público em geral demandam algo mais profundo e significativo. De acordo com uma pesquisa publicada na Harvard Business Review, estamos vivendo uma era em que a sustentabilidade deixa de ser um "diferencial desejável" para se tornar um requisito básico na decisão de compra. Diante desse cenário, as empresas precisam se adaptar urgentemente para atender a essa nova realidade.


Essa mudança de paradigma é fortemente impulsionada pelas gerações mais jovens, como Millennials e a Geração Z, que demonstram uma conexão mais autêntica com temas socioambientais. Esses grupos, que em breve terão maior poder de compra e influência no mercado, priorizam marcas que alinham propósito a práticas concretas.


Conexão é a palavra-chave nessa nova lógica de fazer negócios. Empresas que conseguem contar histórias autênticas, envolventes e consistentes são capazes de construir relações de confiança com seus públicos, gerando engajamento e fidelização. Essa confiança, por sua vez, impulsiona comportamentos positivos e, consequentemente, resultados de negócios sustentáveis. No entanto, aquelas que falharem em se adaptar a essa demanda por transparência e autenticidade correm o risco de ficar para trás em um mercado cada vez mais competitivo e consciente.

 

E quais os desafios em comunicar Sustentabilidade?


A falta de incentivos internos é um dos principais motivos pelos quais muitas empresas não comunicam suas histórias de sustentabilidade além dos relatórios. E de incentivos, eu não estou necessariamente falando de bônus ou premiações.   Na maioria das empresas, a comunicação não faz parte das responsabilidades da equipe de sustentabilidade — que muitas vezes tem seu desempenho avaliado com base na publicação do relatório, e não em metas de comunicação corporativa. Da mesma forma, as equipes de comunicação e marketing não são avaliadas pelo número de histórias de sustentabilidade que compartilham ao longo do ano. Veja, não estou dizendo que é certo ou errado, mas geralmente é como as coisas acontecem. Como resultado, muitos profissionais de sustentabilidade não possuem habilidades fortes de comunicação — enquanto os profissionais de marketing e comunicação não possuem expertise em sustentabilidade. No entanto, o outro lado também acontece. Muitas vezes a responsabilidade sobre as estratégias de sustentabilidade caem para a área de marketing, o que muitas vezes, ampliam o anseio pela comunicação, sem de fato olhar para as ações e a estratégia – levando ao greenwashing.


A comunicação eficaz ajuda as empresas a atingir suas metas de sustentabilidade ao educar e mobilizar os stakeholders para a ação necessária. Da mesma forma, aprimorar a compreensão dos comunicadores sobre questões socioambientais permite que eles integrem a sustentabilidade à narrativa geral da empresa. 

 

Criando proximidade entre as equipes de sustentabilidade e comunicação 

Uma das formas pelas quais as empresas superam esse dilema é promovendo uma maior proximidade entre as equipes de sustentabilidade e comunicação. É importante que os profissionais de comunicação entendam a abordagem e a estratégia empresarial para a sustentabilidade.  Com isso,  eles podem sugerir ideias sobre como e onde comunicar, e em alguns casos, até mudar a forma como são feitas.   


Isso não significa que a equipe de sustentabilidade deve ser alocada dentro do departamento de marketing. No entanto, as empresas devem garantir que essas equipes se conheçam e colaborem. O próximo nível seria integrar a estratégia de comunicação de sustentabilidade ao plano geral de marketing e comunicação da empresa, garantindo que os comunicadores tenham proximidade com a função de sustentabilidade. Da mesma forma, quanto melhor a equipe de sustentabilidade compreender os objetivos do marketing e da comunicação, mais útil poderá ser. 


Um mundo onde as equipes de sustentabilidade e comunicação trabalham juntas seria um mundo com menos greenhushing e menos greenwashing. As empresas incorporariam a sustentabilidade em sua estratégia de marketing e identidade de marca, garantindo que a sustentabilidade continuasse sendo um pilar central da estratégia de negócios.  É aqui que vamos além do Relatório. Nesse cenário, as empresas produziriam conteúdo de sustentabilidade ao longo do ano — desde postagens em blogs e redes sociais até vídeos e newsletters internas – uma estratégia eficaz de comunicação para sustentabilidade. Teriam mensagens claras sobre sustentabilidade, com todas as alegações respaldadas por dados. E teriam coragem para falar tanto sobre seus sucessos quanto sobre seus desafios. 

 

Tudo isso ajudaria a engajar stakeholders internos e externos para tomar as ações necessárias para que as empresas alcancem suas metas de sustentabilidade. Os desafios socioambientais são muitos e precisamos de uma sociedade comprometida para uma ação coletiva em larga escala. 

 

 
 
 

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